sábado, 16 de outubro de 2021

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Tinha medo de morrer antes de ler tudo o que gostaria. Vai feliz, pois descobriu que o céu é uma imensa biblioteca.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

CADARÇOS


Cheguei nesta cidade há oito anos, vim de uma cidade bem pequena, 15 mil habitantes. Quando passei no vestibular, universidade pública, foi uma festa enorme, educação física.
– Quando terminar o curso, só não pegue aula no Colégio Jardim Caiçara – diziam assim que cheguei.
Aquela escola devia ser o inferno! Contavam histórias de professores ameaçados em sala de aula, de tráfico de drogas enquanto as aulas “rolavam”… Tudo me assustava muito.
Estudei minha vida toda em escola pública, e muito carente, mas não era violenta, o professor para nós era autoridade máxima, merecia todo o respeito.
Chamaram-me para pegar minhas primeiras aulas, só tinha uma coisa na minha cabeça: tudo menos o Jardim Caiçara. Para minha felicidade, as aulas que me deram era na escola Maria de Liz Pinheiro.
Entrei toda feliz na escola para assumir minhas aulas, a diretora mal olhou na minha cara e me encaminhou a uma mulher chamada Célia, que me mostrou a escola e como tudo funcionava por ali..
– Tirou a sorte grande! Está no céu. Todo mundo sonha trabalhar lá. – disse Mayara, minha amiga que dividia o apartamento comigo, quando contei a ela.
Na manhã seguinte, cheguei toda sorridente para, enfim, assumir minhas primeiras aulas. Alunos comportados, mas poucos realmente se interessavam por algum esporte. No intervalo, nosso lanche era bom, por chegar atrasada, não havia um lugar para sentar. Tomei meu lanche no cantinho, solitária.
As aulas iam bem, meus alunos não me davam trabalho, tinha que insistir com muitos para que participasse das atividades esportivas. Com o tempo, descobri que os professores tinham lugar marcado nas mesas, havia uma hierarquia, eu teria que esperar algum tempo para conquistar um lugarzinho no cantinho, mas estava bom para mim. Estava começando, ótimo!
Passaram-se 4 anos, trabalhei em várias escolas desta cidade e, por sorte, jamais sobrou o Jardim Caiçara para mim.
No ano passado passei no concurso público, 2º lugar. Há um mês fui assumir. Cheguei toda feliz para a escolha. Fui a segunda a ser chamada, eram 22 professores. Olhei todas as escolas que tinham aulas disponíveis e não tive dúvidas.
– Quero o Jardim Caiçara.
Achavam que escolhera aquela escola por falta de opção, diziam que eu era louca. Ninguém entendia meus motivos.
Fui muito bem aceita na nova escola, por toda a equipe. Já na sala de aula, não foi tão fácil, muitos alunos indisciplinados, mas era só levá-los para a quadra que a coisa mudava, fiquei encantada com a forma como gostavam de esportes. O único problema é quando dava confusão, uma entrada mais forte, uma reclamação. Xingavam-se, ameaçavam se acertarem no braço, porém sempre conseguia contornar a situação.
Em minha primeira aula no 6º C, percebi que havia um menino que não participava da aula. Estava sentado, solitário. Chamei-o, não respondeu. Gritei!
– Professora, o Emanuel é surdo! - gritaram os alunos.
Fiquei envergonhada e me dirigi ao menino. Usei um pouco da Libras que aprendera e consegui me comunicar com ele. O menino não aceitou participar.
Procurei saber quem era o menino; pai e mãe presos por tráfico; criado pela avó materna, uma senhora idosa; era comum faltar na escola.
Na minha terceira aula com a turma, Emanuel aceitou participar da atividade esportiva. Estava correndo quando pisou no cadarço e caiu. Corri preocupada. Peguei-o no colo e o carreguei. Por sorte, foi só um susto, amarrei seu cadarço e beijei-o na testa. Pensei: “Nunca mais vai participar.”
Na aula seguinte, lá estava ele eufórico, entrou em quadra e, em seu primeiro pique, percebi que seus cadarços estavam desamarrados, interrompi o jogo e os amarrei. Beijei novamente sua testa.
Na vez seguinte em que estava com os cadarços desamarrados, perguntei a ele se não sabia os amarrar, respondeu-me que não. Tentei ensiná-lo, mas parecia uma tarefa impossível para ele, desisti.
Na segunda-feira, após amarrar seus cadarços, ele se levantou, beijou minha testa e me abraçou. Na saída, Emanuel estava caminhando, de repente, abaixou-se e amarrou os cadarços com destreza. “Ele me enganou!”
Desde que comecei a trabalhar no Caiçara, hoje foi a primeira vez que o menino faltou. Quando saía da escola, fiquei sabendo o motivo. A mãe saíra da prisão na semana passada. Durante a última madrugada, a casa foi alvejada por diversos tiros. Ela está morta e Emanuel acabou levando um tiro e corria risco de morte.
Deixei meu almoço para depois e fui correndo ao hospital. Não queriam me deixar entrar, insisti, contei várias histórias e, após muitas recomendações, deixaram-me.
O menino estava imóvel quando entrei no quarto. Sentei-me ao seu lado e perguntei:
– Emanuel, o que fizeram com você?
Ele permaneceu imóvel por muito tempo. Continuei conversando, nem sei ao certo o que dizia, só sei que, logo após ficar calada, o menino mexeu o braço direito.
– Fique quieto, Emanuel! Não gaste energia, precisa dela.
Ele continuou mexendo o braço direito até conseguir pegar na ponta do lençol que o cobria, logo abaixo do pescoço. Parou por alguns instantes, fiquei aliviada, entretanto, logo em seguida, fez um movimento brusco, descobrindo boa parte de seu corpo. Só então percebi o que queria. Peguei o lençol e, com muito carinho, cobri-o novamente, abracei-o com cuidado e beijei sua testa. Nesse momento não aguentei e me desfiz em lágrimas, foi dessa forma que deixei o hospital.
Minha tarde foi triste, no entanto acreditava na recuperação do menino. Há pouco meu celular tocou. É muito triste saber que nunca mais vou amarrar seus cadarços.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

MORIMUNDO

O mundo acordou tão triste
E todos correram acudir
Trouxeram chás e remédios,
O melhor médico
Deitaram-no em felpudo colchão
Presentearam-no com ouro e diamantes
Oferendas vieram aos montes.

Um menino olhava distante
Nada tinha a oferecer
Quando o guardião descuidou
O mundo abraçou
Viveu apenas mais alguns
instantes
E se foi feliz
O mundo.